terça-feira, 27 de outubro de 2009

Recesso de mim

um eu

com pretensões estáticas

resolve parar


com o fito de filtrar a vida

por entre os grãos

de ampulhetas mortais


com o olhar detido

nas divagações do meu imaginário

vou tirar férias de mim


fadigado e farto

estou saindo de cena

vou atrás do que vejo à frente


desapegado de antigas certezas

seguirei com relutância

vencendo-me secretamente

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

“Não rezamos por rezar, mas para sermos ouvidos. Não rezamos para ouvir-nos rezando, mas para que Deus possa nos ouvir e responder. E não rezamos para receber qualquer resposta: tem de ser a resposta de Deus.”

Na liberdade da solidão, de Thomas Merton
(Editora Vozes, Petrópolis), 2001. p. 81

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

poetadanadodeentender

Nisto reside a tragédia do poeta: a sensação de baixeza da queda lhe é tão necessária, como forma incontida de auto-punição, que, só através da poesia, ele consegue o soerguimento, como numa alquimia de sentimentos, montanha russa de dualidades.
Há neófitos se achando iniciados nesta bela arte, que, com discursos verborrágicos, abusam da dialética em momentos cruciais em que a situação pede clareza nas ideias.

"pra eu morrer por ela
só falta eu perder a vida"

Consideremos por um momento àqueles que se acham poetas (sem o ser), no fundo eles querem ser compreendidos, querem transmitir realidades nítidas e bem definidas que a linguagem coloquial não consegue expressar.

(os versinhos bobos que aparecem nesta postagem sao meramente ilustrativos, possui mais sonoridade que sentido - ou não!)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Do amor e da necessidade

Depois de alguns dias alhures, retorno a esta redação impregnado de uma atmosfera potencialmente ferina. Entre encontros e desencontros, com partidas e chegadas, na lucidez e nas precipitações, este Sherlock Homes existencial sente-se na obrigação, até como forma de complementar a postagem anterior, de tecer algumas considerações acerca desses dois sentimentos confundidíssimo deveras: AMOR E NECESSIDADE.
Mesmo sem a experiência de um Baudelaire, atesto que o amor não é uma mera troca de necessidades. Esta seria sua forma ilusória. Uma espécie de pacto secreto e inconsciente entre as pessoas faz parecer amor o que é momentaneamente troca de necessidades. As carências são tantas e tão grandes, que a satisfação delas surge disfarçadas de amor. Mas que amor não é. É um troca de necessidade.
O Globo Repórter disse na ultima sexta-feira que somos a máquina mais perfeita e cheia de detalhes já criada. A complexidade é tamanha que chega a atingir outros campos não corpóreos, e é nesses que quero me deter. Matizes culturais e rizomas psicológicos são responsáveis por individualismo de sobrevivência: primeiro atendo as minhas necessidades para depois ver o que o outro precisa. É uma força tão poderosa que, quando envereda pela via sentimental, quase sempre vem carregada de afeto (o mesmo afeto que é um dos componentes do amor), e por isso é confundida com o amor.
Passada a necessidade, as pessoas se deparam com o que são e com o que sentem, e, às vezes, descobre que o sentimento que havia não passava de atração, gratidão, respeito, segurança, bem-estar, conforto, status, medo das opiniões, pressão familiar, espírito aventureiro, ânsia de sair de casa, ou, até mesmo, apego ao sofrimento... várias coisas importantes, necessidades válidas, porém não amor.
Amor: intrincamento tamanho na nossa inteligência emocional que podemos até confundi-lo com a necessidade de sentir amor.
Com o passar do tempo vamos entrando na onda de achar que somos as nossas necessidades. Conseqüência disso é o de fixarmos certos rótulos para certas pessoas, achando-as estúpidas, mesquinhas, egocêntricas, como se estas substituísse o próprio umbigo pelo sol na teoria de Copérnico.
Artur da Távola diz que as nossas características são uma espécie de sintoma das nossas necessidades. Mas a gente vai achando que essas necessidades são a gente, de fato, e que explica-nos. Não! As nossas características não são sintomas das nossas necessidades.
Tomemos como exemplo este escriba: quem o conhece bem (há quem o conheça até demais) sabe que sua patologia atinge o nível 8 na Escala Richter (que vai até 9) no que se refere aos sentimentos que circundam a região do miocárdio. Cativo no exílio da Carenciolândia, vivendo num deserto de afetos, vem sofrendo no varejo para atender parcialmente suas necessidades mais latentes. Focar o problema deste miserável é lançar um olhar puramente situacional. Ele não é essas necessidades que o atormentam.
Daí saber, durante a vigência de um sentimento, se é amor ou se é clamor de alguma necessidade, é algo de uma dificulidade enorme.
A diferença reside no seguinte, e aqui eu concluo meu pensamento: a gente não sabe quando é necessidade, mas quando é amor sempre se sabe. Porque o amor resiste a todas as besteiras que fazemos com ele. O amor resiste até à nossa incapacidade de alimentá-lo. Já a necessidade uma vez satisfeita, ela se acaba.