quinta-feira, 30 de julho de 2009

Da série: "Aurélia, a dicionária da lingua afiada!"

Todos nós aqui da redação do Cunhão Trincado estamos super felizes pela estréia do novo quadro deste blog: “Aurélia, a dicionária da língua afiada!”, que vem apresentar no “popular” e na informalidade o significado de algumas palavras e expressões que não são de domínio popular, a fim de acabar peremptoriamente com as dúvidas que por ventura possam surgir.

BICHO GRILO, bichus griluctus

Definição criada na década de 60 e que pegou muita força na década de 70 definindo uma pessoa com um estilo de vida coerente com o movimento hippie dos Estados Unidos. Com a decadência do movimento hippie a palavra passou a ser usada para designar uma pessoa com um estilo de vida não formal, não seguindo os padrões locais de consumo e comportamento. Geralmente indica a pessoa calma que gosta de paz e amor, usa roupas soltas do tipo artesanal e tenta imitar um estilo de vida como o de John Lennon ou dos hippies. Pode também ser usado para designar alguns tipos de maconheiros que tem um estilo de vida mais voltado para a natureza e distante da violência do tráfico e da marginalidade. Principalmente aqueles que ficam com cara de bobo o dia todo e falam bem devagar e só na gíria.

Ex: Aquele bicho grilo nojento toma banho só uma vez por semana e gasta duas horas para falar paralelepípedo.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Fugacidade ou Fuga, cidade?

Se eu não acreditasse na vida, se perdesse a confiança na mulher querida, se perdesse a confiança na ordem das coisas, se me convencesse até de que tudo, ao contrário, é uma desordem, um caos maldito e talvez até demoníaco, mesmo que todos os horrores da frustração humana me atingisse, ainda sim eu teria vontade de viver, e já que trouxe esse cálice aos lábios não o afastaria de mim enquanto não esvaziasse! Pensando bem, lá por volta dos quarenta anos certamente largarei o cálice mesmo sem esvaziá-lo e me afastarei... não sei para onde. Mas até os quarenta anos, disso estou firmemente certo, minha mocidade vencerá tudo – qualquer frustração, qualquer aversão a vida. Muitas vezes fiz a mim mesmo esta pergunta: se existirá no mundo um desespero que vença em mim essa sede frenética e talvez insana de viver, e decidi que tal coisa parece não existir, ou, reiterando, não existe antes dos quarenta anos, porque depois eu mesmo já não vou querer, assim me parece.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Quem me roubou de mim?


"Saudade que tenho de mim, eu levantava com o sol, a baladeira no pescoço, bolacha e água no bornal"
(Santana o Cantador)

Quem me roubou de mim? O ladrão sorrateiro com sua sagacidade foi atrás das maiores riquezas no lugar errado. O vacilo foi buscar fora aquilo que estava dentro. Pensava ser vantagem as bijuterias que via por aí em detrimento do tesouro que se escondia no mais recôndito e inaudito lugar.

Quem me roubou de mim? Enquanto eu me “achava”, ia me perdendo. Perder-se para se achar ou achar-se para se perder? Com o coração contrito, faço esse desabafo com todos aqueles que miram os fundos de suas xícaras existenciais: Trago em minha carne as marcas das experiências vividas e na lembrança os flash dos momentos de outrora. Pego-me pensando na possibilidade de não ter escrito algumas páginas doloridas nessa minha vida de cigano errante, matutando se isso seria realmente interessante. Ora bolas, ficar pensando em possibilidades absurdas é viver em completa inanição. Pedala esse assunto.

Quem me roubou de mim? O fato é que mais cedo ou mais tarde a queda do cavalo ocorrerá, e o choro acompanhado de remorsos será inevitável. Querer voltar pra barriga de mamãe está fora de cogitação. O que aconteceu com o Apóstolo Paulo no caminho para Damasco é o norte que quero dá nessas mal digitadas linhas. Ao ser ofuscado pelo brilho do Ressuscitado ele precisou de ajuda. Teólogos atestam que a conversão de Paulo se deu na convivência com a comunidade cristã, durante a reabilitação de sua visão. Passado esse tempo de “penúria”, Paulo passou a ver a vida com outros olhos, literalmente.

Quem me roubou de mim? Que uma vaca banguela me morda se de ti, oh doce juventude, eu não me recordar. Lembro com saudade de como era bom o convívio com os amigos lá do Santa Fé, amigos que comungavam os mesmos ideais de retidão, santidade e compromisso; o como era bom acordar cedo e ir à missa no Carmelo; de como era bom os retiros pregados pelo Frei Adolfo; de como era bom as embates filosóficos com o Pedro; o quanto era boa a amizade da Irmã Rita; do quão bom era a presença do Francinaldo; o quão bom era o namoro santo com Dalila; do quanto era bom no tempo do Padre Jorge...

Quem me roubou de mim? Como uma rolinha fogo-pagou eu me pego a repetir incessantemente esta indagação, a espera do milagre. Ah se esse milagre viesse a se tornar realidade. Ora, não são os milagres que inclinam o realista para a fé. O verdadeiro realista, caso não creia, sempre encontrará em si a força e a capacidade para não acreditar no milagre, e se o milagre se apresenta diante dele como um fato irrefutável, é mais fácil ele descrer de seus sentidos que admitir o fato. Apesar de ser realista, prefiro deixar esta minha faceta às escondidas. O apóstolo Tomé declarou que não acreditaria sem antes ver, e quando viu disse: “Meu Senhor e meu Deus!” Terá sido o milagre que o fez acreditar? É mais provável que não, mas ele acreditou unicamente porque desejou acreditar. Parafraseando o truta do Descartes: acredito, logo existo.

Quem me roubou de mim? Existe em mim uma mágoa silenciosa e muito tolerante, que se recolhe em si mesma e se cala. Mas há também uma mágoa dolorida: esta irrompe às vezes em lágrimas e daí deságua em lamentos. Isso acontece de modo particular nas noites de domingo. No entanto, ela não é mais leve que a mágoa silenciosa. Aí os lamentos só mitigam porque irritam ainda mais o coração. Essa mágoa dispensa até o consolo, seu alimento é sentir que não pode ser mitigada. Os lamentos são apenas uma necessidade de sempre avivar a ferida.

Quem me roubou de mim? Enfim, é latente a intensão de empreender uma delicada busca, no afã de reaver aquilo que me foi roubado. Diligencias doloridas se farão necessárias. É um “cortar a própria carne”. O pecado fez estragos profundos. Mas a certeza que se tem é que um homem não pode, absolutamente, cometer um pecado tão grande que esgote o infinito amor de Deus. Ou será que há pecado capaz de superar o amor divino? “Claro (que não), Leonardo!”.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Condenado?

Depois de sorrateiros e histéricos pedidos, depois de ameaças de suicídios à base de sucessivas overdoses de Leite de Magnésia Phillips, depois várias rodadas de roleta russa de grossíssimo calibre, depois de agudos e lancinantes gritos a la Drew Barrimore no filme ET, depois de pulsos cortados e pulos abortados do 14ª andar, este escriba foi conduzido por furiosos verdugos agenciados pela Scothland Yard até uma masmorra escondida, sendo forçado a fazer o login no seu Cunhão Trincado para escrever, através dos mais atrozes vilipêndios, mais um texto psico-afetivo-filosófico-existencial, texto esse que nasce melado de sangue, e importante, recém-parido, primeiro pelo apelo e pelos maus-tratos, segundo porque trás consigo a responsabilidade de ter tido de existir algum dia. Chegou sua hora. Segurem-se nos seus mouses... lá vai


O homem está condenado à liberdade
Quem disse essa besteira? Jean-Paul Sartre (1905-1980). Besteira é uma pinóia, pelo contrário, é uma premissa corrente nesses dias em que o relativismo corrói a mentalidade da grande massa.
Jostein Gaarder, autor de O Mundo de Sofia, ajuda a traçar o pensamento de Sartre como sendo existencialista por excelência, colocando o homem como ponto de partida de tudo. Ao contrário de Kierkegaard, que era cristão, Sartre representa um existencialismo ateu. Empunhando esse estandarte, ele aborda temas centrais do pensamento de Hegel e Marx, descrevendo o homem como um ser estranho no mundo, suportando uma carga de sensações de desespero, tédio e toda sorte de animosidades que provocam náuseas.
Os humanistas da época do Renascimento eram ufanes ao ostentar em tom de triunfo a liberdade e independência do homem. Sartre vem de encontro a esse pensamento, pois achava que tal liberdade era uma maldição. “O homem está condenado à liberdade”, dizia ele. Condenado porque não se criou e, não obstante, é livre. E uma vez atirado ao mundo, passa a ser responsável por tudo que faz.
Somos indivíduos livres e a nossa liberdade nos condena a tomarmos decisões durante toda a nossa vida. Não existem, para Sartre, valores ou regras eternas, a partir dos quais podemos nos guiar. E isso torna mais importante nossas decisões, nossas escolhas. Sartre chama a atenção precisamente para o fato de o homem nunca poder negar sua responsabilidade pelo que faz. Aquele que assim procede mescla-se a uma massa anônima e se transforma em parte impessoal dela. Ele foge de si mesmo e se refugia na mentira. De outra parte, a liberdade do homem nos obriga a fazer de nós mesmo alguma coisa, a ter uma existência “autêntica” ou verdadeira.
Ao contrário de Sartre, este escriba acredita que possuímos uma origem, um início: Deus.
Fazendo uma alusão ao argumento ontológico de Santo Anselmo, Deus existe necessariamente, pois é impossível pensar em um ser perfeito, e negar-lhe a existência, atributo da perfeição. Ora, se somos capazes de pensar no Ser perfeito é porque Ele existe, porque a perfeição não engloba apenas essência, mas essência e existência.
Professar uma fé e participar de uma igreja são os meios que levam as pessoas a encontrar o religare, a re-ligação, aquilo que as trás de volta à sua origem, dando-lhe respostas íntimas e existenciais. Ao contrário do que acontece costumeiramente, uma religião não pode interferir na liberdade do indivíduo, e nem levá-lo a graus de fanatismo e alienação. A religião deve ser uma ferramenta para se encontrar-se a si mesmo, pleonasticamente falando.
Thomas Merton (1915-1968), monge americano, esboça, através de uma alegoria, como seria a nossa existência sem um norte, dizendo que “se a nossa vida é dissipada em palavras inúteis, jamais ouviremos qualquer outra coisa no fundo do nosso coração, onde Cristo vive e fala em silencio. Nunca seremos nada e, no fim, ao chegar a hora de mostrarmos quem somos, apareceremos sem nada a dizer no momento da decisão crucial: haveremos dito tudo e estaremos exausto de falar antes mesmo de termos alguma coisa a dizer”. E completa: “Aqui jaz um defunto que fez da indiferença um ídolo. Sua oração em vez de inflamá-lo, apagou-lhe o coração. Seu silencio não é atento a nada, não escuta nada e nada tem a dizer. Venham as andorinhas, e façam o ninho em torno desse homem, e ensinem seus filhotes a voar no deserto que ele fez da sua alma, e assim, ele não ficará inútil para sempre."
Entre tantas correntes filosóficas e outras muitas posições ortodoxas, fazer a opção pela senda que Jesus apontou é a mais sóbria das escolhas: “A verdade vos libertará”.
Mas o que é a verdade? Pilatos com esta indagação emudeceu Jesus, não por não haver resposta, mas para deixar para todos nós a iniciativa de buscar a verdade.
Por fim, quebrando as pernas de Sartre, atesto que o homem não foi condenado e recebeu como sentença a liberdade, não. O homem ganhou a liberdade como prêmio, por ser dotado de vontade e de inteligência, para usar da maneira lícita, segundo os critérios impressos na sua alma, alma essa que tem fome e sede de sua origem, fome-sede-saudade de Deus.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Viva la vida



Numa fria manhã de sábado, um grupo de estóicos exploradores de caminhos e trilhas descem de Portalegre/RN em busca das gélidas águas da Cachoeira do Quati, situada no sopé da serra, já na zona rural de Tabuleiro Grande/RN. Sob a trilha sonora de Cold Play, empreenda com a gente nessa epopéia, conferindo as encantadoras paisagens do interior potiguar, onde a legítima vida bucólica é real, onde as divagações do agitado mundo ficam de fora, onde a reflexão acerca do paraíso na terra se torna uma clarevidência.

Sair por ai vagando por caminho nunca dantes percorrido, esperando que o sol finalmente desperte e atinja os seus breves momentos no extremo horizonte, isto num dia frio e tendendo a ficar cinzento, e ver a mais branda e brilhante luz solar desencadear-se sobre a mata verde, sobre os troncos das arvores e da vegetação rasteira, enquanto as nossas sombras alongadas se projetam no campo em direção oeste, como se fossemos os únicos obstáculos de seus raios. Tal era aquela luz que momentos antes não a poderíamos ter imaginado e a atmosfera era tão morna e serena que nada faltava para que o prado se fizesse o paraíso. Quando refleti que aquilo não era um fenômeno isolado que nunca mais se repetiria, mas que aconteceria sempre num infinito numero de manhãs, e que embalaria a mais tardia criança que lá aparecesse, o espetáculo tornou-se ainda mais glorioso, a tal luz, tão pura e brilhante, dourou a relva e as folhas ainda molhadas pela bruma da madrugada, tão suave e serenamente cintilante que imaginei nunca antes ter-me banhado em semelhante fonte de ouro, isenta de qualquer ondulação ou murmúrio.


terça-feira, 7 de julho de 2009

Deslumbramentos

Estreado o quadro Deslumbramentos, onde conversas "intelectuais" são tratadas em locais e em momentos inesperados, venho trazer no episódio de hoje:


Direitos Humanos com o taxista

- Sabe que queimaram um ônibus aqui na cidade?
- É? Nossa, uma cidade tão pequena...
- Sabe de quem é a culpa? Dessas pessoas que deixam todos muito livres.
- Mas quem é que está livre hoje em dia? Não percebe que estamos todos capturados pela sociedade de controle, que o panóptico já se transformou em seminóptico, que os mecanismos sociais consistem na docilização das pessoas?
- Ã?
- Pois então, é isso mesmo, estamos cristalizados em estruturas que não permitem o refluxo. A sustentação de identidades rígidas trabalha a serviço da economia de massa e as pessoas perderam espaço para reflexões. O terrorismo do Estado se man...
- Escuta, onde você vai ficar mesmo?