quinta-feira, 28 de maio de 2009

Simbiose


“Associação de dois seres vivos, na qual há benefícios recíprocos; vida em comum”(dicionário Silveira Bueno)

Simbiose, palavra corrente nos balbuciares de geneticistas, biólogos, farmacêuticos, quando estão com aqueles vidrinhos laboratoriais, com toda sorte de soluções químicas, fazendo os mais inauditos experimentos malucos, com a recôndita pretensão de descobrir a fórmula secreta que o faça detentor do maior segredo do mundo, para que assim possa dar os primeiro passos na dominação do planeta.
Deixando as “viagens” de lado, a simbiose pode ser compreendida através do exemplo clássico das mitocôndrias. Há quem diga que elas não existam, coitadas! O fato é que essas danadas moram dentro das células eucarióticas sem pagar aluguel, numa estreita relação de dependência, onde uma não viveria sem a outra. Ora, para a mitocôndria não é só sossego não, de um lado ela tem na célula um ambiente quentinho e seguro para seu desenvolvimento, mas, em contrapartida, se responsabiliza pelo fornecimento de energia para sua hospedeira.
Vamos lá, pensemos em duas coisas magneticamente opostas, que não tem nada a ver, mas que sempre se atraem... puf...eis alguns exemplos: cocó e trança, dedinho do pé e canto de móvel, jato de mijo e tampa de vaso, nariz e dedo, leite fervendo e fogão limpo, café e toalha branca, tornozelo e pedal de bicicleta...
Quero, com toda essa baboseira, levar o leitor a matutar acerca do “quem” ou “o quê” encerra o seu ciclo simbiótico pessoal, quem/o que seria a outra metade, aquilo que mantem um laço de dependência vital, sem o qual não sobreviveria?
Chacoalhando a pitomba existencial e metafísica na boca, examinando minha relação simbiótica, acabo descobrindo muitas, milhares delas (sic), uma espécie de colcha de retalhos (patchwork) se desvela diante de mim, num turbilhão de lembranças que insiste em espancar minha face aqui e afagar acolá, levando-me a concluir que há muitas coisas que estão intimimente ligadas a mim, que não solto nem por 100 e uma fanta. Tudo isso sou eu, ou seja, eu sou minha vida, não há como ficar no singular. Passo a listar alguns insight's* del fuego:

Ventinho que sai do motor do liquidificador
Baladeira
Futebol na chuva
Roubar vela do cemitério em dia de finados
Lamber restinho da massa de bolo que fica na batedeira
Cheiro da prova rodada no extensil
Fazer aviões de papel
Pêra, uva, maçã ou salada mista combinado
Caldo de cana com pastel
Apagar vela de aniversário antes do aniversariante
Monte Sinai
Capitães de Areia, de Jorge Amado
Sonata ao luar, de Beethoven
Reconciliação na chuva
Colecionar coisas sem futuro
Padre Jorge
Vitamina de beterraba
Fogo vermelho do fogão a lenha
Relâmpagos silenciosos numa casa sem energia
Gato preto de porcelana esguio com olhos de botão
Dançar quadrilha
Mordida em jambo maduro
Ordem dos Frades Menores
Mazurka, opera 39 de Tchaikovsky
Fazer “aviãozinho” no terraço todo ensaboado
Cabelo grande, numa rebeldia sem causa aparente
CEFET-PI
Catuaba Guaracy
Percorrer uma fileiras de lençóis brancos lavados e estendidos
Virgília Pascal de 2005
Não vá embora, da Marisa Monte
Cheiro do Pinho Sol tradicional
Andar a cavalo
Ping-pong
Santas Missões Populares
Punhal prateado encontrado no quintal da vovó
Giraya, Jaspion e Changeman
Beijos recebidos no olho depois que seu Cristóvão tomava uma
Natação no clube da Cepisa
A lista de Schindler
Ascensão para a Verdade, de Thomas Merton
Ploc Monster
Noticia do Chupa-Cabra no Fantástico


E por ai vai. A vida, como a roda gigante, tem seus altos e baixos.
Partilhei os altos, os picos, os cimos, na esperança de suscitar em ti a confecção da tua própria lista.
Tudo isto ainda pulsa dentro deste incauto escriba envelhecido em barris de bálsamo. Tudo é vivo. Tudo é claro. Tudo é nítido como ontem. Não seria quem sou sem tais experiência, e estas não seria tão intensas se não acontecessem comigo.
A confluência de muitas simbioses vem desaguar em mim, trazendo lucidez e contradições, trazendo o auto-conhecimento. Todos tem suas simbioses, sejam elas objetos/lembranças/pessoas. Não concordo quando o intemperado Jean-Paul Sartre cochichava no ouvido de sua Simone dizendo que “o inferno são os outros”. Não aqueles “outros” do Lost. Falo dos nossos muitos outros, gente que entrou/saiu, mas permaneceu/permanece, presentes presente na vida.
Vida. Mais vida. Uma vida dentro de outra vida. Somos nossa vida. E quando vejo que a vida espera mais de mim, mais além, vejo que o aprendizado é o próprio fim. Há fim? Será fim? Enfim, no zigue-zaguear da vida, entre decadências e elegâncias, vou aceitando o caos nosso de cada dia.
*A psicologia explica que são os momentos em que uma pessoa se torna lúcida e capaz de entender seus problemas e finalmente encontra a solução para os mesmos!

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Vendo o invisível

"como se visse o invisível" (Hebreus 11, 27)

O que seria ver o invisível hoje? Seria ter uma clara convicção daquilo que poderá vir acontecer? Ter diante dos olhos uma realidade tão certa, tão nítida, que ainda não ocorreu, mas que trás a certeza da sua concretude?
O autor bíblico nos faz relembrar a atitude de Moisés, quando este saiu do confortável palácio do Faraó para se juntar ao seu povo, os hebreus, empreendendo um fuga cinematográfica pelo deserto, saindo do cárcere à liberdade, com direito a passar pelo Mar Vermelho sem molhar os pés. Quando uma convicção descomunal se apodera do âmago do homem, pode haver algo que o segure? Quando a certeza está diante dos olhos, há jeito que não dê jeito?
Dentre muitas certezas que temos nessa vida de meu Deus do céu, poucas nos arrastam. Somos cegos, e também preguiçosos.
Literatura, música, natureza: verdadeiros "cirineus" na percepção do invisível.
Quem não fica ofegante diante das poesias de Pablo Neruda, da prosa fácil de Quintana, das canções do Roberto Carlos? A reação de encantamento tida no contato com essas belas artes não seria tocar o invisível, metafisicamente falando? Ora, os sentidos nesse momento são os auditores da veracidade de tal fato, Schopenhauer quem o diga.
O prodigioso Jorge Vercilo, num lampejo de pura clarividência, canta:

"Eu quero ver o invisível,
prever o que está no ar.
Como previ meu futuro ao te ver passar"

Desconfio que esses caras devam ter umas tramóia da pantera, algo como um pacto secreto com a eternidade, uma parada sobrenatural. O trecho da canção "Invisível" expressa bem a certeza de visualização daquilo que não se pode enxergar.
"Disbuiando" em miúdos, trazendo um exemplo para a prática, é você bater o olho numa pessoa e ser acometido duma certeza avassaladora nunca d'ante sentida, é você se abrir para uma realidade onde um ciclo se fecha: É ELA! Dizem os apaixonados que sininhos se fazem ouvir nessa hora.
A cantiga verciliana prossegue:
"Preciso aprender a ver o que não se vê
Para me transformar no que o amor quiser
Ouvir o que não se diz com os olhos te entender
Pra te fazer feliz como me faz você"

Há como não se ver? Há como não te ver? Há como não antever? Há como não prescrever?
Diante do mistério, resta-nos ficar em silêncio. Não há conceitos, não há bê-á-bá, e nada mais a declarar!

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Sem saber o que escrever

Não sei o que diachu quero escrever aqui hoje, estou esperando a bendita inspiração – acho que ela virá em breve, depois desse fim de semana. Enquanto não sei “o quê” escrever, partilho com os leitores deste augusto cunhão algumas formas de “como” escrever, vejamos:

ESCREVENDO COM OS COTOVELOS:

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ESCREVENDO COM O NARIZ:

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ESCREVENDO COM O QUEIXO:

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ESCREVENDO O PRÓPRIO NOME AVEXADO COM OS ZÓIOS FECHADOS:

Crixotvçao Juniofr
Cristovao Nunioo
Cristiovaio Nubnior
Cristovao Junior
cristova,o Jnuoor
Cristova,o Junoopr

Meu Deus, o que é isso, deixem pra lá, peço-vos perdão, trata-se de mais um momento de precipitação!

sexta-feira, 15 de maio de 2009

A poeira e a estrada

Atendendo a vários pedidos e algumas ameaças, disponho a todos os assíduos leitores deste cunhão duas pérolas do cancioneiro nordestino, advindas do cantor e compositor pernambuncano Maciel Melo, verdadeiros tratados epopéicos da vida interior do homem do sertão.


Amigo olhe a poeira olhe a estrada. Olhe os garranchos que arranham pensamentos. Entre o cascalho vá separando os espinhos. Não esqueça que os caminhos são difíceis pra danar. Nem todo atalho diminui uma distância. Nem toda ânsia no final tem alegria. Veja na flor que o espinho lhe vigia. A noite adormece o dia e a lua vem lhe ninar. Devagarinho vá pelo cheiro das flores. Siga os amores nunca deixe pra depois. Nem tudo é certo como quatro é dois e dois. Nem todo amor merece todo coração. Se a poesia ainda não lhe trouxe o fermento. E o sofrimento entre o amor ganhou a vez. Nem tudo é eterno quando a gente ama. Por isso amigo não se entregue agora. Talvez um dia o mundo lhe peça perdão. Por isso não se perca não. Os amores vão e a gente fica.

Que nem vem vem

Quebrei no dente o taco da literatura Tô na história, tô eu sei Que eu sou motivo pra falar Entrei de cara, cara, tô caindo fora Tá no tempo, já é hora de poder me desfrutarSemente negra, eu sou raiz poderosaAguada em verso e prosa na cacimba de BeláMeu canto tem um chapo-chapo de uma cuiaTem, tem, tem as manhas que mestre Louro plantouPra colher eu canto assim que nem vem-vemPra soar como um acorde de sanfonaFestejar que nem passarim no XerémNamorar com as batidas da zabumbaTum, tum, tum, bate bate meu coraçãoPor um forró que nem o de Passagem FundaTum, tum, tum, bate bate meu coraçãoDá-lhe Zabumba Jackson no Pandeiro é ásTum, tum, tum , bate bate meu coraçãoSe esse moreno não me querNão quero maisNão quero maisTum, tum, tum, bate, bate meu coraçãoPor um forró que nem o de Passagem FundaTum, tum, tum, bate meu coraçãoPor um forró que nem o de Passagem FundaTum, tum, tum bate meu coraçãoDá-lhe zazumba, Jackson no Pandeiro é ásTum, tum, tum, bate, bate meu coraçãoSe esse moreno não me querNão quero mais, tum, tum, tum, bateBate meu coraçãoPor um forró que nem o de Passagem FundaTum, tum, tum, bate, bate, meu coraçãoDá-lhe zabumba, Jackson no pandeiro é ás, Tum, tum, tum, bate meu coração.
Composição: Maciel Melo

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Mevitevendo

Estreando o quadro “Mevitevendo”, partilho com os meus asseclas fiéis e leitores do cunhão trincado a disposição interior com a qual acordei hoje: É um misto de Sóren Kierkegaard com Sassá Mutema. Um cheio de angústias religiosas, e o outro que ia do nada ao entendimento.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Vida de Gado, por Pedro Oliveira

Quem ler vive mais, diz o poeta. E vive de fato quem tem consciência da realidade vivida; quem infere sobre a vivência; quem interfere na convivência.
Lendo Os Irmãos Karamázov de autoria do mestre da literatura universal, Dostoiévski, que neste 28 de janeiro se completam 128 anos de seu silêncio, suscitou-me o desejo de partilhar alguma conclusão com quem interessar. Sem dúvida, a leitura desta obra é fundamental para a sobrevivência de quem quer se desviar da onda do “deixa a vida me levar.”
A referida produção está centrada num dilacerante conflito no seio de uma família nobre da sociedade russa por meio do qual o autor descreve o quadro de decadência dos princípios éticos e valores sociais da época (séc. xix).
O drama familiar em questão é costurado pelo tema mítico do parricídio, fenômeno provocador da sensibilidade humana, desencadeador das mais diversas reações e reflexões.
A trama tem lugar na imaginária cidade de Skotoprigonievski, um nome cuja tradução indica local em que o gado é recolhido, ou simplesmente feira de gado. Por ser uma realidade paradigmática, esta cidade assume caráter universal, está em todo lugar e seus habitantes, como gado, sobrevivem encurralados.
Parricídio, ato deplorável, ignominioso...! Assim é encarado nas mais diferentes culturas. Resultante de todo o tipo de sublevação dos valores humanos e da sociabilidade: má criação, desestruturação da família modelar, descarte da figura do pai... Eis a grave problemática enfrentada pela humanidade no mundo moderno onde tal fenômeno, detestável no plano objetivo, adquire formas aceitáveis numa dimensão subjetiva: é o que se pode classificar de parricídio social.
As transformações trazidas pela modernidade implicaram novos valores que atingiram de cheio a família tradicional desencadeando, em particular, uma crise à figura do pai.
Num mundo em que a sensualidade é absolutizada como fonte de prazer, o ser pai acaba resultando do desvario do instinto, de relacionamentos prematuros, descomprometidos, egoístas e hedonistas. Em conseqüência disso surgiu uma sociedade sem pai ou de pai ausente.
Dostoiévski ad mirando o real significado do ser pai assim pergunta: “o que é um pai, um de verdade, que palavra tão grandiosa, que idéia tão formidável há nesse nome?!” A paternidade não é apenas algo instintivo, biológico, mas é, sobretudo, expressão de livre decisão pessoal, de compromisso com a vida. Ser pai implica presença conseqüente.
A falta da figura do pai desestrutura, debilita, fragiliza os filhos; gera desequilíbrio da formação pessoal, delinqüência, uma vez que o pai é a personificação simbólica das atitudes necessárias para a afirmação do indivíduo como pessoa e como ser social.
Na ausência do pai a missão que antes lhe era imputada, agora é delegada ao Estado que através de seus instrumentos de repressão, disciplina, ordena e conduz a vida social tal qual o criador à frente de seu rebanho. “Ê, vida de gado...”
Quem sabe seja por isso que o nosso Machado de Assis, contemporâneo de Dostoiévski, tenha dito através de um personagem de sua criação literária o que sentia por não ter sido pai. Assim, Brás Cubas nas próprias Memórias Póstumas, exprima sua vitória sobre a vida ao afirmar: “– Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”

Pedro Oliveira da Silva é Professor de História na Rede Municipal de Ensino de Teresina/PI

sábado, 9 de maio de 2009

Versos íntimos - Augusto dos Anjos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

segunda-feira, 4 de maio de 2009

:'-(

Por ti chorei lágrimas de rodoviária, lágrimas com poeira de estrada perdida, lágrimas e poeira que viraram maquiagem de lama, tijolos d´alma, petrificando esta face, paralizando um semblante tristemente sepulcral.