segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Bastidores

Depois de deixar Bastidores de Chico Buarque no repeat durante toda semana passada, e, ainda, ter que conviver com essa cantiga no juízo durante o weekend, vim aqui para vomitar meus inebriamentos e pertubações. Não quero amaldiçoar o dia em que te conheci, nem tão pouco chorar até ficar com dó de mim. Quero apenas lançar um pouco de bálsamo numa ferida já cicatrizada.
Tal música me causa frisson, possui uma apelo cheio de desvarios, algo como cura e libertação. É minha música preferida na hora de entrar debaixo do chuveiro pela manhã. Depois duma preparação prévia, envolvendo respiração e concentração aprendido com ninjas yogui, entro debaixo d'água entoando as berros tal canção com toda a profusão e delírio, a fim de driblar sua gélida temperatura.
Chico Buarque é o cantor de alma feminina por excelência! Este é um dos que deve ter um pacto secreto com a Eternidade. O que seria a “pedra de toque” para atingir o alto grau da maturidade buarquiana?
Partindo da premissa de que há vida depois dos palcos, Chico vem produzindo bastante fora deles, nos bastidores. Uma prova disso é seu novo livro, Leite derramado, sucesso de venda e de crítica (posteriormente, os leitores deste Cunhão ficarão inteirados de seu teor).
A partir das produções deste ícone da nossa cultura, tanto literária quanto musical, vou traçar aqui um paralelo no que diz respeito à vida no seu aspecto oculto, bastidoricamente falando.
Viver nos bastidores: levar uma vida discreta, sóbria e consciente, realizando um trabalho silencioso, sem ao menos ser notado e sem se perceber.
Não sei o que acontece, pois as vezes me parece que os valores são tão transitórios, porém pungentes, que nos arrastam impiedosamente com as mais anêmicas efemeridades. Somos uns tolos!
É nos bastidores da vida que a ferida é aferida, para que se possa remediá-la da forma que convém. É nos bastidores da vida que a decisão importante é tomada, que a paz é encontrada, a insegurança afastada, a sexualidade canalizada, a libertação notada. É nos bastidores da vida que as inquietações são amenizadas para a partir daí surgir um novo homem, capaz de encarar com robustez o pensamento massificado e alienado das quiméricas seduções do ego. (Narcísio acha feio o que não é espelho).
No espetáculo da vida, o que escolher: A luz e o glamour dos holofotes ou a escuridão e o anonimato dos bastidores?
O cético arrogante e altaneiro bufa ao questionar: “Como ficar na história e deixar um legado para as futuras gerações levando uma vida de bastidores medíocre e sem graça como essa?”. Deu para perceber qual é o fio condutor do atual pensamento, pérfido e cheio de vaidades, que nos leva ao precipício ao toque de caixa, numa velocidade imperceptível, que só chega ao nosso perceber quando estamos exaustos e depressivos, pois se constata que a vida nem sempre nos aplaudirá, nem sempre teremos o sucesso almejado, que os nossos cd's não estão vendendo tanto assim. E o simples imaginar de que se está em decadência e fora da Brodway faz pôr em xeque a qualidade desta vida sob o brilho opaco de flash's e holofotes, sob ilusórios confetes, plumas e paetês, sob um falso glamour e requinte que dura apenas um breve instante, aquele décimo de segundo em que o ego é massageado e a sensação de objetivo alcançado é sentido entre os dedos num brevíssimo momento.
Pena que tudo se esvai, tal como a bruma da madrugada ao despontar do sol, para o descontentamento da turba.
Sinto na alma o desejo de bastidores. Claro que nem sempre é/foi assim. É por estar nesse momento ocultado por detrás do cenário que me vem essas clarevidências para serem partilhadas com os leitores que aqui se achegarem.
Não sou inconstante nas minhas definições. Sou constante nas minhas indefinições. Prefiro assim. A inconstância é grave falha. A indefinição é virtude rara.
Artur da Távola, envolto em seu manto de lucidez e empunhando o estandarte de sobriedade, afirma que quem define são aqueles que temem continuar pensando, por parecer mais fácil.
As vezes me percebo inconstante nas minhas definições, sempre tendo definições a cada passo, acreditando nelas, vivendo em contradições. Perceber-se assim já é bater em retirada e retomar o caminho de volta. Tudo é permitido, mas nem tudo convém.
Prefiro ser constante nas minhas indefinições. Que me seja dada a constância de não se intrometer no fluxo natural da vida, permanecendo aqui onde cá estou: na obscuridão dos bastidores e na indefinição.

2 comentários:

Mulher Saudade* disse...

O que seria do cunhão trincado se nada tivesse mudado na vida desse poeta...!!! ...Textos que dão a sensação de " uma faca rasgando o peito na diagonal*"...

Anônimo disse...

Assaz e deveras!