quarta-feira, 22 de julho de 2009

Quem me roubou de mim?


"Saudade que tenho de mim, eu levantava com o sol, a baladeira no pescoço, bolacha e água no bornal"
(Santana o Cantador)

Quem me roubou de mim? O ladrão sorrateiro com sua sagacidade foi atrás das maiores riquezas no lugar errado. O vacilo foi buscar fora aquilo que estava dentro. Pensava ser vantagem as bijuterias que via por aí em detrimento do tesouro que se escondia no mais recôndito e inaudito lugar.

Quem me roubou de mim? Enquanto eu me “achava”, ia me perdendo. Perder-se para se achar ou achar-se para se perder? Com o coração contrito, faço esse desabafo com todos aqueles que miram os fundos de suas xícaras existenciais: Trago em minha carne as marcas das experiências vividas e na lembrança os flash dos momentos de outrora. Pego-me pensando na possibilidade de não ter escrito algumas páginas doloridas nessa minha vida de cigano errante, matutando se isso seria realmente interessante. Ora bolas, ficar pensando em possibilidades absurdas é viver em completa inanição. Pedala esse assunto.

Quem me roubou de mim? O fato é que mais cedo ou mais tarde a queda do cavalo ocorrerá, e o choro acompanhado de remorsos será inevitável. Querer voltar pra barriga de mamãe está fora de cogitação. O que aconteceu com o Apóstolo Paulo no caminho para Damasco é o norte que quero dá nessas mal digitadas linhas. Ao ser ofuscado pelo brilho do Ressuscitado ele precisou de ajuda. Teólogos atestam que a conversão de Paulo se deu na convivência com a comunidade cristã, durante a reabilitação de sua visão. Passado esse tempo de “penúria”, Paulo passou a ver a vida com outros olhos, literalmente.

Quem me roubou de mim? Que uma vaca banguela me morda se de ti, oh doce juventude, eu não me recordar. Lembro com saudade de como era bom o convívio com os amigos lá do Santa Fé, amigos que comungavam os mesmos ideais de retidão, santidade e compromisso; o como era bom acordar cedo e ir à missa no Carmelo; de como era bom os retiros pregados pelo Frei Adolfo; de como era bom as embates filosóficos com o Pedro; o quanto era boa a amizade da Irmã Rita; do quão bom era a presença do Francinaldo; o quão bom era o namoro santo com Dalila; do quanto era bom no tempo do Padre Jorge...

Quem me roubou de mim? Como uma rolinha fogo-pagou eu me pego a repetir incessantemente esta indagação, a espera do milagre. Ah se esse milagre viesse a se tornar realidade. Ora, não são os milagres que inclinam o realista para a fé. O verdadeiro realista, caso não creia, sempre encontrará em si a força e a capacidade para não acreditar no milagre, e se o milagre se apresenta diante dele como um fato irrefutável, é mais fácil ele descrer de seus sentidos que admitir o fato. Apesar de ser realista, prefiro deixar esta minha faceta às escondidas. O apóstolo Tomé declarou que não acreditaria sem antes ver, e quando viu disse: “Meu Senhor e meu Deus!” Terá sido o milagre que o fez acreditar? É mais provável que não, mas ele acreditou unicamente porque desejou acreditar. Parafraseando o truta do Descartes: acredito, logo existo.

Quem me roubou de mim? Existe em mim uma mágoa silenciosa e muito tolerante, que se recolhe em si mesma e se cala. Mas há também uma mágoa dolorida: esta irrompe às vezes em lágrimas e daí deságua em lamentos. Isso acontece de modo particular nas noites de domingo. No entanto, ela não é mais leve que a mágoa silenciosa. Aí os lamentos só mitigam porque irritam ainda mais o coração. Essa mágoa dispensa até o consolo, seu alimento é sentir que não pode ser mitigada. Os lamentos são apenas uma necessidade de sempre avivar a ferida.

Quem me roubou de mim? Enfim, é latente a intensão de empreender uma delicada busca, no afã de reaver aquilo que me foi roubado. Diligencias doloridas se farão necessárias. É um “cortar a própria carne”. O pecado fez estragos profundos. Mas a certeza que se tem é que um homem não pode, absolutamente, cometer um pecado tão grande que esgote o infinito amor de Deus. Ou será que há pecado capaz de superar o amor divino? “Claro (que não), Leonardo!”.

4 comentários:

Unknown disse...

de ler num fôlego só e sentir lentamente como se em nós mesmos, fruto da inevitável identificação que de alguma forma aparece. Simplesmente sem ar ...

Anônimo disse...

dono de uma escrita fina, esse rapaz arrebenta. eis um texto auto-reflexivo (as vezes auto-punitivo) cheio de vivacidade. parabéns!

Dalila Meneses disse...

"Quem me roubou de mim?"




(...)

"A vida real não corresponde aos relatos dos contos de fadas. Não estamos acostumados a encontrar fadas madrinhas que transforma, num toque de mágica, a borralheira em princesa admirável. O processo humano é doloroso. Nossos sapatos não são de cristais, nossos cavalos são mancos e não há carruagens paradas a porta de nossas casas esperando para nos levar aos destinos de nossos sonhos. A vida nos mostra que transformações mágicas não existem, da mesma forma que amores perfeitos estão distantes de nossos olhos.

O que temos e podemos é a aventura de encontrar alguém, e ao lado dela construir uma história de vida comum, felicidade que nasce do duro processo de sermos promotores us dos outros por meio do amor que sentimos.

O conceito de amor não pode ser aprisionado por esta visão romântica, que não sabe cosiderar os limites como positivos para o crescimento humano. Tampouco pode reduzir o desejo à condição de prazer.

O sonho que sonhamos não pode ser projeção infértil.

Ele tem que está preso a realidade, afinal, é nela que estamos sustentados."
(...)

Referência Bibliográfica:
MELO, Fábio de
Quem me roubou de mim? : O sequestro da subjetividade e o desafio de ser pessoa.
Editora:Canção Nova, São Paulo, 2009.

Abraços "estralados"!!!!
Dalila Meneses **

Anônimo disse...

Bonita escrita! Saudosa lembrança!Ansiedade envelhecida!
Só faltou uma coisa...O Presente, veraz pelo suspiro de vida entrando ser adentro, prazeroso, simplesmente pela alegria de viver. Oh! PRESENTE que não chega, ou que já passou!
Amo-te mesmo assim!!!